05/11/2007

Insatisfação, o mal do século...


O mal do século 21 é a insatisfação das pessoas. Temos emprego, mas reclamamos. Temos carro, mas não é o que gostaríamos. Temos família, mas se a gente pudesse escolher... Enfim, somos felizes, mas... Vivemos com o hábito de pedir mais do que agradecer, reclamar mais do que realizar algo para melhorar. Estamos na era da insatisfação em massa e isso reflete bem o tipo de relacionamento que temos com as pessoas.
Conhecemos o amor da nossa vida, aquele pelo qual morreríamos, mas com o passar dos anos gostaríamos que “ele (a)” fosse diferente. Que fosse mais delicado, menos agressivo, mais inteligente, menos autoritário, com mais dinheiro, melhor-humor, mais sorrisos, menos repressão, mais carinho, menos futebol, mais shopping, menos trabalho, mais tempo livre. Cada um deve ter a sua própria lista, vasta e extensa, com as coisas que modestamente mudariam no “amor da sua vida”. Uns aprendem a viver com os erros e falhas do bem amado (a), outros vão à busca do preenchimento desse vazio, dessa lacuna. Prova dessa insatisfação clara e notória, é a peça Dona Flor e seus dois maridos, em cartaz no último final de semana no Theatro São Pedro. Flor que casou jovem com o desajuizado Vadinho, teve um matrimônio infeliz com as grosserias e bebedeiras do marido. Ao enviuvar, casou-se com Teodoro, homem honesto, regrado e cuidadoso para com sua esposa. Só que Flor também não foi feliz, pois faltava a pimenta de Vadinho, o calor e paixão daquele espertalhão que a fazia subir nas nuvens. Quando se dava conta, Flor estava imaginando como seria bom se Teodoro tivesse o fogo do seu ex-marido, ou, se Vadinho tivesse a educação do atual. E assim somos nós também, seres humanos incompletos pela falta de algo que não nos é preenchida. Buscamos uma companhia que surpreenda, que seja amável, mas que nem por isso tenha menos tesão ao nos despir com os olhos.
Comparamos então o passado, que não é presente porque não nos completava, com nossa situação atual, que muitas vezes não nos deixa felizes por inteiro. E nessas comparações, sempre ficamos insatisfeitos com algo, ou, nos vemos como uma Dona Flor, querendo dois maridos para resolver o impasse os impasses do desejo humano. Jorge Amado, grande escritor, já enxergou essa dualidade dos quereres quando tornou sua obra em 1966 um best-seller e uma minissérie da TV Globo em 1975. Ele percebeu pela sua perspicácia que as pessoas nunca estavam satisfeitas com o que tinham. Com segurança e sexo regular sentiam-se melancólicas, com emoção e insegurança, sentiam-se instáveis. Até hoje as pessoas querem sempre mais, almejam muito e acabam se esquecendo de valorizar que têm ao lado. Moldar os outros ao seu gosto não é tarefa viável e nem mesmo fácil, pois, se nem Deus conseguiu que Adão seguisse suas vontades, quem dirá nós, reles mortais.
Não importa se você convive com um Vadinho ou com um Teodoro, uma “dama” ou uma “interesseira”, aprender a ver o lado positivo dessa relação, fortalecendo os pontos fortes e melhorando os pontos fracos, é o desafio dos casais desse século. Afinal, só quem consegue ter dois maridos sem se incomodar, é a Dona Flor...

Publicado no Jornal Diário de Canoas, dia 03/11/07 - página 4

Foto: capa de uma das tantas edições do livro de Jorge Amado